Africanos são atacados por preconceito e socorridos no Hospital de Ermelino
20/05/202020/05/2020
Um homem angolano de 47 anos morreu esfaqueado no último domingo (17) em A. E. Carvalho Dois outros imigrantes ficaram feridos ao tentar impedir a agressão. O suspeito, um auxiliar de mecânico brasileiro, fugiu. Segundo testemunhas, o ataque teve motivação xenofóbica e ocorreu após uma discussão sobre o pagamento do auxílio-emergencial federal para imigrantes.
De acordo com a Secretaria de Segurança Pública (SSP), o caso foi registrado no 24º Distrito Policial (Ponte Rasa) e encaminhado ao DHPP, que prossegue com as investigações. Exames periciais foram solicitados ao Instituto de Criminalística (IC) e ao Instituto Médico Legal (IML).
A congolesa Hortense conta que as agressões e ameaças a imigrantes africanos tornaram-se comuns na área conhecida como Cidade Antônio Estêvão de Carvalho nos últimos meses. Membro do Conselho Municipal de Imigrantes de São Paulo, Hortense morou por cinco anos no bairro. Após ameaças, ela abandonou sua casa há cerca de dois meses e se mudou com a família.
Ataque a faca
João Manuel, de 47 anos, era frentista e morreu após ser agredido com golpes de faca na Rua 18 de Abril, em A. E. Carvalho. De acordo com a SSP, o autor da agressão é um auxiliar de mecânico, de 49 anos, que fugiu do local antes da chegada da polícia.
“Policiais militares foram acionados para atender a ocorrência e, no endereço indicado, encontraram um homem caído, com ferimentos causados por facadas. Próximos a ele estavam dois homens, de 28 e 29 anos, também feridos”, afirma a SSP.
Os dois foram encaminhados ao Pronto Socorro do Hospital Ermelino Matarazzo para atendimento médico e já tiveram alta. Em entrevista ao G1, um dos homens feridos, um imigrante que prefere não se identificar, afirma que se mudou do bairro com medo de sofrer represálias após a morte de seu colega. Ele diz que, quando a discussão começou, estava conversando com João Manuel porque este lhe emprestaria R$ 50 para comprar fraldas descartáveis para sua filha.
“Eu queria defender o meu irmão. Foi racista, ele deixou claro que foi racismo, porque ele estava a falar que ia matar meu irmão, mas dando risada, tipo como se fosse matar um animal”, relata.
O frentista foi atingido por três facadas no peito e morreu poucos minutos após o ataque.
“Quando a gente falou que era racismo, o brasileiro saiu com a faca e colocou a primeira vez, no peito. A gente foi defender nosso irmão e eu tentei tirar a faca da mão dele. Eu fugi do movimento da faca, mas aí ela entrou na minha barriga, do lado esquerdo. Depois ele fugiu correndo, com a faca ainda na mão”, conta o imigrante, que ficou internado no Hospital Ermelino Matarazzo, levou pontos na barriga e teve alta na noite de domingo (17).
Desempregado há quatro meses, ele estava na rua porque foi encontrar seu colega frentista que iria emprestar dinheiro a ele. A discussão começou quando o auxiliar de mecânico falou “que os estrangeiros só queriam receber dinheiro do governo, enquanto os brasileiros estão sofrendo”, relata o sobrevivente.
“A gente não sabia que aquele cara estava assim bravo. Nosso irmão não fez nada, fez nada. Ele não falou nada para morrer assim”, afirma.
Xenofobia em SP
A congolesa Hortense morou no bairro em que ocorreu o crime por cinco anos até se mudar, em fevereiro, após casos de violência contra imigrantes. Ela deixou para trás móveis e muito do que juntou desde que chegou no Brasil porque temia as ameaças que ela e sua família recebiam no bairro.
A Cidade Antônio Estêvão de Carvalho fica em Itaquera, na Zona Leste, e é conhecida por ter uma grande comunidade de imigrantes africanos, entre congoleses, angolanos e camaroneses.
“Eu saí de lá fugindo de insegurança porque meu marido era alvo de ameaças de morte. Eu percebi que nasceu um ódio no bairro, as pessoas falavam na cara que a gente tem que voltar pro nosso país”, afirma Hortense.
“Até os motoristas de ônibus mostravam esse preconceito. Tem uma linha que sai do metrô Arthur Alvim que chama Conj. A. E. Carvalho, é o número 2727-10. A gente às vezes faz sinal e eles passam reto os ônibus”, conta Hortense.
Segundo Hortense, a situação de agravou depois que seu marido foi assaltado na rua onde morava. Ele passou a ser seguido ao voltar do trabalho. Em janeiro, um imigrante que frequenta a mesma igreja que Hortense foi espancado após sair do local, pouco depois de se distanciar do grupo.
“Eu perdi quase tudo da minha casa, peguei só mesmo o necessário. Ficou difícil pra gente achar uma casa de emergência porque precisava de um caução para o aluguel. A gente ainda não se sente seguro, mas pelo menos é melhor pra voltar a noite”, afirma.
Karina Quintanilha, advogada de direitos humanos do Fórum Internacional Fronteiras Cruzadas na USP, conta que não é raro receber relatos de imigrantes e refugiados que tiveram que se mudar por ameaça xenofóbica de vizinhos, como foi o caso de Hortense.
“Antes da pandemia, pesquisas já mostravam que são frequentes as denúncias de racismo e xenofobia nos serviços públicos e no ambiente de trabalho. Isso agora está se intensificando, tem relatos desse tipo de discriminação também nos serviços de saúde, mas ainda é uma situação muito invisibilizada”, avalia Quintanilha.
Fonte: g1.globo.com