Vendedor de churrasco grego é protagonista em matéria sobre alta de carne na UOL
29/10/202129/10/2021
Para ilustrar o impacto na alta do preço da carne, Ivanildo Severino que tem uma barraca de churrasco grego em Ermelino Matarazzo foi entrevistado e falou sobre as dificuldades para se adaptar à nova realidade.
Dois cachorros atravessam a rua após serem seduzidos pelo cheiro de comida. Eles se aproximam e observam o corte de uma montanha de carne empilhada em um espeto metálico. O vendedor entrega um pão francês recheado com churrasco grego e vinagrete a um cliente, que o devora enquanto fala ao celular. A clientela de quatro patas permanece vigilante à espera de um pedaço do lanche. Sem sucesso. Os vira-latas saem com o rabo entre as pernas, mas retornam toda vez que Ivanildo Severino Miguel, 40, abre a porta de vidro para preparar um churrasco grego a fregueses apressados. Ele pensou que a fidelidade conquistada há 14 anos no mesmo ponto, em Ermelino Matarazzo, zona leste deSão Paulo, iria desmoronar desde que o aumento do preço da carne encareceu seu lanche.
“O lanche que eu vendia por R$ 5, R$ 6, hoje sai por R$ 8. Eu tive que repassar esse custo para o meu cliente”, declara Miguel, que veste doma e boné pretos e máscara contra a covid-19. Para ele, o reajuste no churrasco grego ainda é baixo se comparado ao valor da carne. O vendedor até poderia mexer nos dois copos sucos grátis que acompanham a refeição, mas preferiu manter o “atrativo”. No entanto, Miguel entende a realidade do bairro periférico onde vive. “Ermelino não suporta um preço mais caro do que R$ 8. Para mim teria que ser mais caro, no mínimo R$ 10 em um lanche simples. Mas hoje mesmo chegou mesmo uma mãe de família com quatro crianças para comprar comigo. E aí?”, questiona.
A inflação desenfreada no Brasil tornou carnes cerca de 30,8% mais caras em um ano, segundo o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), calculado pelo IBGE. Isso sem levar em consideração o preço do pão e tomate para o vinagrete, que também estão mais caros. Quilo custa R$ 23 Miguel conta que hoje paga R$ 23 no quilo da carne. Há dois anos, não tirava mais do que R$ 13 do bolso. Ele tempera, monta e assa diariamente 10 kg de churrasco grego em uma cozinha a poucos metros dali. Garante que volta para casa à noite com o espeto vazio — na tarde em que conversou com TAB, restava pouco menos da metade da carne.
Ele procura se distanciar do estigma colocado no churrasco grego vendido no centro de São Paulo, geralmente julgado como pouco higiênico. A roupa de chef que usa não é à toa. Miguel manuseia o alimento ora com luva descartável, ora com pegador. O recheio do churrasco é feito com miolo de acém, fraldinha ou capa de filé. Ainda inclui uma grossa camada de linguiça nobre. Não mexeu na qualidade do produto, garante. Seu carrinho exibe como troféu o termo de permissão para venda na rua concedido pela prefeitura. Mas a gaveta de dinheiro está colada na de pães e vinagrete, tal como é visto no Brás ou na Sé.
O vendedor afirma que seu asseio ajuda a manter a clientela, mas reconhece que o custo da alimentação tem atraído uma base nova de fregueses com menos poder de compra. “Tenho clientes que almoçavam em restaurante e agora vieram comer grego porque a comida está cara.” André de Oliveira Nunes, 40, prefere comer lanche a um prato de arroz e feijão. Ele se decepcionou ao saber que não tinha carne servida na baguete, que custa R$ 12, e se contentou em comer o churrasquinho no tradicional pão de padaria. “Quando venho aqui eu como dois, três, quatro lanches. E trago meu pai, meu irmão”, diz.
Ainda que Miguel ouça uma ou outra reclamação sobre os R$ 8, ele não responsabiliza o governo Jair Bolsonaro (sem partido) pelos preços elevados. Mostra-se até esperançoso com uma possível queda no valor pago pelo quilo da carne, uma vez que a China impôs um embargo ao Brasil. “Estou confiante que vai dar uma diminuída. Parece que a China parou de comprar carne do Brasil, isso vai mexer um pouco na oferta e procura.” Especialistas discordam dessa opinião.